terça-feira, 10 de setembro de 2013

Meninas Black Power


                               
"Ser negro não é um sentimento dado a priori, ser negro é um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro", sentencia a Psicanalista Neusa Santos numa frase que serve como mote para quem se propõe a reafirmar sua negritude.

E essa é, de fato, a empreitada em que as Meninas Black Power estão empenhadas. Com mais de 27 mil seguidoras, um grupo de meninas propagam no Facebook o orgulho de ter cabelo crespo

Com mais de 27 mil seguidoras, um grupo de meninas propagam no Facebook o orgulho de ter cabelo crespo. Além de assumirem suas madeixas crespas em seu dia a dia, incentivam todas as leitoras a se livrarem da ditadura do cabelo alisado.

Diante de uma época dominada pelas escovas definitivas e progressivas, as Meninas Black Power fazem o caminho inverso, querem tornar crespos os cabelos agredidos pelas químicas. Criada pela estudante carioca de enfermagem e obstetrícia Élida Aquino, a fanpage refaz o itinerário iniciado ainda no Orkut. “Meninas Black Power era uma comunidade no Orkut, e reunia quem estava descobrindo o cabelo crespo, a maioria em transição para o natural”, afirma Élida. Ao se lembrar de como descobriu a beleza dos crespos, Élida diz que enxergar a beleza do cabelo crespo natural é um processo para além da questão capilar. “Não é só estético e não só usamos os cabelos naturais por beleza. Esse processo vem junto com a reconstrução e aceitação da sua própria identidade. Ter modelos e referências na sociedade, que comunguem a mesma ideologia, facilita muito a desconstrução do modelo de beleza vigente. Posso dizer que entre as Meninas da equipe o que aconteceu foi um retorno ao que somos. A motivação começa quando você passa a se identificar com aquilo que questiona. Assim passamos por processos que nos levaram a cogitar o natural diante de tantas opções para domar e modificar o que já era nosso. Vimos, por exemplo, as norte-americanas que fizeram o movimento transition explodir, assistimos os vídeos, lemos os textos, olhamos para os cabelos e nos enxergamos naquilo. Somos tão semelhantes na aparência, e qual o motivo de não sermos livres como elas?”

Devido o grande sucesso, a página Meninas Black Power não é administrada somente por Élida: “temos, de fato, um coletivo, e dividimos nossos grupos de ação em diferentes Estados. Nossa intenção é alcançar todo o Brasil, mas por enquanto temos 14 integrantes no Rio, 13 em São Paulo, 3 em Minas, uma em Porto Alegre , uma na Bahia e uma no Espírito Santo. Minas, Bahia, Espírito Santo e Porto Alegre estão escolhendo mais meninas”, explica Élida.

Para elas, ao contrário do que muitos pensam, Meninas Black Power (MBP) não existe para pregar a tal “ditadura do cabelo natural”. “Acontece que há um fenômeno recorrente e vivemos nele desde muito tempo (algumas durante toda vida): obrigação de estar dentro do padrão pra sermos aceitas; ou melhor, toleradas”. “Contra tudo, nosso movimento se soma aos outros núcleos que se espalham por aí e dizem que ‘cabelo ruim’, ‘duro’ e ‘inaceitável’ é invenção pra dominar o pensamento. Sim, nós podemos libertar os nossos e os de muitas outras. Já passou da hora, meninas! Então não damos crédito ao ouvir que há ditadura aqui”.

“Nós não gostamos da química que aprisiona e faz pensar que só somos lindas com pouco volume, cabelos ultra sedosos ou cachos soltos (mas se você usa química e está por aqui, não precisa sair, viu?!); vamos contra a ideia de que não podemos ser crespas nas salas de entrevistas, de aula ou dentro da empresa; nós reinventamos o conceito de perfeição no momento em que espalhamos que tudo pode ser perfeito como é.”

“MBP é um centro de inspiração e apoio pra quem se sentiu presa a vida toda, mas agora decidiu que pode soltar o cabelo e as ideias. Há algo de errado em ajudar? Estamos abertas para as que amam seus cabelos e quem compreende que ditadura, de verdade, é não se satisfazer com o que realmente pode ser. Estamos soltas.”, afirmam as meninas.

Jacqueline Soares é uma das seguidoras das Meninas Black Power, e conta o que mais a motivou a abdicar da química e da chapinha e passar a manter o cabelo em sua “versão” natural: “Sempre fui vaidosa, relaxava meu cabelo sempre que os primeiros fios “rebeldes” começavam a surgir. mas não me sentia AUTÊNTICA. E com tanta química os cachos foram se perdendo e optei pelas Tranças, uma fase que gostei demais, mas ainda não me sentia realizada. Até que um dia, em um desfile para o salão Beleza Negra vi uma Negra Linda de cabelo Black Power - hoje uma das minhas melhores amigas e mentora do black Fernanda Ross.”

Para Nilma Lino Gomes, Reitora da UNAB e autora do livro Sem perder a Raiz, “Pensar a passagem da manipulação do cabelo do negro e da negra, do estilo político ao estilo de vida, abre um leque de possibilidades para o entendimento das expressões estéticas negras da atualidade, que não se limita à conscientização política. Coloca-nos no cerne da construção social e cultural da questão racial numa sociedade que, cada vez mais, privilegia e estimula a individualidade, a auto-expressão e uma consciência de si estilizada”.

LEVANTANDO A BANDEIRA CONTRA O PRECONCEITO

Em janeiro, a marca de cosmético Cadiveu publicou em sua fanpage um álbum de fotos de uma ação de divulgação para o estande da marca na Beauty Fair 2012, feira internacional sobre cabelos que aconteceu em São Paulo. Na ação, visitantes foram convidados a posarem usando perucas gigantes, que lembram um penteado black power, e mostrando uma placa com os dizeres: “Eu preciso de Cadiveu”. As Meninas incentivaram seguidoras a publicarem fotos com as mensagens #eunaoprecisodecadiveu, #blackpowercontraopreconceito e #duroeoseupreconceito. Na plataforma de blogging Tumblr, foi criada também a página “Não preciso de Cadiveu”. A repercussão foi tão grande que a ação foi publicada nos principais jornais do país.


“MUITO MAIS QUE SÓ UMA MUDANÇA DE PENTEADO, ELAS ESTÃO SE MOVIMENTANDO NUMA DIREÇÃO, OUSANDO, SE EXPONDO; E MAIS QUE TUDO ISSO, ABRINDO CAMINHOS PARA A ESCOLHA.”


MUITO ANTES DAS MENINAS

O Cabelo Black Power, também considerado por alguns como afro, foi considerado um estilo político pelo movimento de contestação dos negros desencadeado a partir da década de 60. Esse momento, ao atribuir ao cabelo crespo o lugar da beleza, representava simbolicamente a retirada do negro do lugar da inferioridade racial, no qual fora colocado pelo racismo.

A originalidade de assumir o cabelo crespo passava pelo pensamento da consciência negra que, segundo Nilma, era: “Tudo isso era para desvelar a introjeção de inferioridade – não só intelectual como estética – do negro, pregada pelo apartheid. A ideia central era de que o negro oprimido se libertasse dos valores racistas inculcados pela dominação branca, resgatando a riqueza da cultura africana. A consciência enfatizada por esse movimento incorporava e dava destaque à valorização do padrão estético negro, na tentativa de liquidar o mal-estar vivido pelo negro em relação à sua própria imagem. Esse movimento de estetização negra se propaga e atinge negros e negras de vários países, inclusive, do Brasil.”


Fonte: Revista Raça

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